sexta-feira, 30 de novembro de 2007

IMPASSE COMPROMETE SUSTENTO DE BARRAQUEIROS


Os dias de sol na capital baiana já não são os mesmos. Em um passeio pela orla da cidade, coberta por tapumes e construções inacabadas, observa-se o impasse instalado nas obras das barracas de praia, que persiste a um ano e dois meses. O que começou como um embargo ambiental, hoje acarreta prejuízos a famílias inteiras, que tiram seu sustento do trabalho nas praias.
Sob a luz do sol da tarde, o barraqueiro José Praxedes parece refletir a situação. Com um olhar perdido no horizonte, ele senta-se sobre o que sobrou de sua barraca, um quadrado de chão acimentado coberto por um toldo com cadeiras e mesas amontoadas. Praxedes conta como os clientes passam, olham, e muitas vezes se recusam a parar na barraca improvisada. “A orla está feia, por isso o movimento diminuiu. O turista vai fazer o que aqui?”, explica.
Barraqueiro desde 1985, Praxedes, de 54 anos, se viu desempregado durante o plano Collor, quando trabalhava no Pólo Petroquímico, e decidiu investir unicamente no empreendimento que já mantinha. Suas reservas do fundo de garantia foram investidas na estrutura física do negócio. Ele mostra notas fiscais e comprovantes de impostos como o DAM (Documento de Arrecadação Municipal), no valor de R$ 1.800, dividido em duas parcelas e pago anualmente.
José Praxedes traz nas mãos uma série de papéis, projetos desenhados por ele mesmo, como sugestões para reorganizar a obra, adequando-a as exigências dos órgãos ambientais, considerando terem sido essas o principal motivo para a interdição das construções. De acordo com o Ministério Público, as construções estavam em área federal e ofereciam riscos ambientais, como redes de esgoto com fossas na areia. Praxedes diz que os barraqueiros estão dispostos a negociar e ceder às exigências. Ele cita o caso dos telhados. A pedido do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), não foram utilizadas telhas de cerâmica, mas sim de um tipo de madeira oriundo de árvores reflorestadas.
O barraqueiro diz não entender por que tanta demora em solucionar o empecilho. Desolado, Praxedes afirma que da barraca sai o sustento de milhares de baianos, não só de donos dos bares, mas também dos vendedores de queijo qualho, redes, artesanato e dos próprios funcionários das barracas. “Eu tenho quatro filhos. Aqui, trabalhando comigo, quem tem menos, tem dois”, conclui. Ao longe, ele aponta uma das filhas, Kátia, 23 anos, e comenta que ela deveria estar cursando uma faculdade. Porém, sua condição financeira atual não permite arcar com essa despesa.
Como um dos profissionais mais antigos e conhecidos da Praia de Piatã, Praxedes participa da comissão de barraqueiros, organizada para representar a classe diante dos órgãos públicos. Ele conta que, em setembro de 2006, as construções foram iniciadas com patrocínio de diversas cervejarias e coordenadas pela prefeitura de Salvador. Agora, o caso corre no Juizado Federal. O barraqueiro queixa-se da falta de sensibilidade do juiz Carlos d’Ávila Teixeira, que conduz as audiências na 13º Vara Cível da Bahia. Segundo informações retiradas do site oficial da Justiça Federal - Seção Judiciária do Estado da Bahia, as principais preocupações do juiz são o meio ambiente, o respeito à lei no âmbito da ecologia e, por fim, o sustento econômico dos comerciantes.
Outro argumento de Praxedes é a questão cultural. “O único lazer do povo pobre de Salvador são as praias. Tem gente que vem até a pé e outros não dispensam o baba, com a cervejinha no final para relaxar”. O barraqueiro conta não ter perdido mais fregueses por ter uma clientela antiga que lhe prestigia. Porém, não descarta a diminuição no número de usuários do serviço, pois, segundo ele, a população está mal informada sobre o assunto. Para Praxedes, a mídia não informa o quanto eles têm cedido, a exemplo da redução no tamanho das barracas, em 5m², e que elas acabaram sendo germinadas, unindo duas em uma.
Apesar de falar “não dá para se desesperar, não depende só da gente”, Praxedes demonstra grande apreensão com o futuro. Após ter investido as economias de toda sua vida na barraca, ele confessa que teria dificuldades em arrumar um novo emprego pela idade avançada. Para quem já atendeu cerca de 14 mil pessoas num reveillon, a situação é decepcionante. Hoje, poucos companheiros de barracas querem organizar o fim de ano na praia.
O natal de Praxedes e de outros barraqueiros pode ficar sem o peru da ceia se o impasse não for solucionado. A próxima audiência está marcada ainda para sete de janeiro e o profissional alerta: “A sala de audiência só comporta 100 pessoas. Só de barraqueiros são 500 e ainda tem os estudantes de direito e jornalistas”. Com isso, Praxedes diz que os barraqueiros pedem mais tempo para argumentar e precisam ser ouvidos, pois, são os maiores prejudicados. O que se sabe é que todos os baianos desejam voltar aos verões tranqüilos com a ida à praia, sobretudo, nos fins de semana, para um merecido descanso.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

BUROCRACIA EMPERRA ECONOMIA SOLIDÁRIA

O trabalho informal é uma realidade observada no Brasil com previsões nada otimista. Por duas campanhas eleitorais, o Presidente da República apontou a fórmula que seria capaz de assegurar trabalho e direitos trabalhistas aos brasileiros, trata-se do cooperativismo. Muito era esperado do discurso do presidenciável, Luís Inácio Lula da Silva, quando esse afirmava “É preciso ensinar a pescar”.
As associações surgem da união de trabalhadores autônomos organizados a fim de gerar emprego e renda a partir da força de trabalho. As cooperativas São organizações que não visão lucro, mas sim, a sustentabilidade econômica dos cooperados.
A Bahia possui, segundo dados da Organização das Cooperativas do Estado da Bahia (Oceb), 723 cooperativas cadastradas, dessas, 450 estão em funcionamento. No entanto, o número poderia ser bem maior, considerando os grupos de trabalhadores que não possuem registros civis. O motivo principal para essa ocorrência é a burocracia exigida para legalização dessas organizações, que se assemelha às cobranças impostas para empresas S/A e LTDA.
A lei da Tributação e do Orçamento diz no Art. 146 – inciso III “c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”. Ora, tendo em vista o que diz a lei e os fins, a que se destina uma cooperativa, como pode, essa, para se legalizar, ser taxada de forma equivalente as outras empresas que visam o lucro? Os registros somados alcançam cerca de R$700.
O Brasil está longe de ser um país cooperativista, pois, não fomenta políticas públicas de incentivo como prever a Legislação. No artigo 174 § 2º, está expresso o seguinte: “A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e toda a forma do associativismo”. Diante disso, o governo poderia criar taxas de registros comerciais com valores diferenciados. Porém, prefere ocultar-se da responsabilidade.
O cooperativismo é remédio para driblar a concentração de renda no país. O setor colabora com 7% do PIB nacional. É a filosofia de sustentabilidade econômica da sociedade através de organizações autogeridas. Elas funcionam como uma alternativa de reinserção de profissionais no mercado de trabalho. Na cooperativa os associados não possuem patrão, dividem tarefas entre si para o gerenciamento da organização.
A contribuição para direitos trabalhistas deve ser feita enquanto autônomos. Assim, o cooperado pode ter acesso a seguro e aposentadoria. Algumas cooperativas fornecem auxílio jurídico aos associados. É uma forma democrática de acesso ao trabalho. Evidente que nesse processo não há espaço para o comodismo e parece ser esse o desafio para os brasileiros.
Encarar um negócio e lutar por políticas favoráveis a ele pode parecer difícil para alguns. Mas, a tecnologia e a globalização impõem novos ritmos ao mercado de trabalho, que precisam ser calculados pelo poder público e pela sociedade. Se a dinâmica não é mais a mesma é preciso encontrar caminhos capazes de suprir as necessidades de ocupação da população e esse caminho pode ser trilhado pelo cooperativismo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

COMPREI, NÃO PIRATIEI, É CRIME?

Três por R$10! O preço tentador induz o consumidor a levar um produto inédito para casa. A prática de adquirir produtos piratas tornou-se um hábito comum a todas as classes e já não vale a desculpa do “compro somente porque o original é caro!”. Vista como um fenômeno econômico e social, a pirataria possibilitou o acesso de milhares de pessoa a conteúdos inacessíveis, pelo baixo poder aquisitivo da população. No entanto, o crescimento no número de camelos, que vendem esses produtos nas ruas, traz efeitos nocivos a economia, sobretudo pelo não recolhimento de impostos.

Preocupados com a concorrência desleal, os donos de locadoras fecharam as portas e saíram em protesto, no mês de setembro, em várias cidades brasileiras. As previsões são desanimadoras. Quando policiais se posicionam ao lado das bancas, conversam com os ambulantes, trocam idéias sobre Tropa de Elite, mas raramente apreendem o produto. De acordo com o artigo 180 do Código Penal, adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime leva a reclusão de um a quatro anos, além de multa. Mas, quem liga para isso? Passa pela cabeça da população que em Brasília, Renan Calheiros passou nota fria e por pouco não deu em nada. Quem influencia quem nessa história?

É fácil encontrar pelas esquinas, tênis, óculos, relógios, peças de couro, perfume, mas, a vedete do momento é mesmo o DVD. Não faz muito tempo, os artistas, empolgados, citavam os vídeos de seus shows como uma saída para driblar a cópia de CDs. Porém a alegria durou pouco, nos camelos, esses são os mais vendidos, tem nacional e internacional. As inúmeras visitas dos ídolos da música ao congresso nacional parecem não ter surtido efeito. As gravadoras, em outros tempos, cobiçadas como o único meio de projetar-se na mídia, agora é coisa do passado. Encarando a situação, algumas bandas já disponibilizam sua obra para dowlound gratuitos. Isso significa ter chegado o fim da intermediária indústria fonográfica. Aquela que escolhe tudo que você deve ouvir e cobra um preço absurdo por isso, destinando mínimos trocados aos músicos.

Com o advento da internet, a pirataria de filmes e músicas aparenta ser um caminho sem volta. No EUA e Japão a tecnologia wi-fi, de alta velocidade, permite baixar filmes com alta qualidade em apenas cinco segundos. No entanto, em se tratando de cinema, as discussões merecem ser aprofundadas. As produções de películas alcançam a cifra de milhões e muitas vezes seu lucro é o principal investimento para o próximo filme. No caso das locadoras de vídeo é possível imaginar que os empregos gerados por ela, legalmente e com recolhimentos para previdência dos funcionários, estão sendo trocados por vendedores ambulantes, que são explorados pelo crime organizado.

A maioria dos ambulantes nunca colocou a mão sobre um mouse, porém, são peça principal dessa rede de crimes. A CPI da pirataria, instalada em 2003, identificou a ação de máfias internacionais nas fronteiras brasileiras e alertou o comércio pirata como financiador do tráfico de drogas e de armas, pela sua rápida e alta lucratividade. Em maio deste ano, o governo da Bahia criou o Grupo Especial de Proteção a Propriedade Intelectual (Geppi). Ele deve fiscalizar as ações de falsificação, entretanto, sua presença ainda não intimidou as vendas.

É sensato lembrar que a pirataria é um fenômeno mundial. Na França, em Paris, DVDs falsificados tomam as avenidas. Depois de sua popularização acredita-se estar em jogo, nessa teia de ligações, o acesso ao conhecimento tanto sonegado pelo governo Brasileiro. Quando é elogiado o quanto foi benéfica a criação da Lei Rouanet para o crescimento do cinema nacional, observa-se que os filmes patrocinados por ela está nos grandes festivais, porém, ainda distante dos brasileiros. Não é justo que uma obra patrocinada pelo dinheiro público custe tão caro para ser exibido ao povo que a financiou. A população pobre compra DVDs piratas por não encontrar, na praça do bairro onde morra, seções de cinema? Nesse momento é difícil afirma essa idéia, mas ela deve ser levada em conta e o acesso a cultura deve ser repensado.

domingo, 30 de setembro de 2007

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU

Desde 1500 quem manda em terras tupiniquins é o interesse pessoal, sem ele nada anda por aqui. Nesses 500 anos, as mudanças impostas beneficiaram dúzia e meia de brasileiros endinheirados e poderosos. Lembremos da abolição tardia, por pressão dos ingleses a espera de mercado consumidor, em plena revolução industrial. Lembremos de Canudos, Conselheiro, padre Cícero, Contestado, como a república feriu o povo brasileiro, quando imposta a ferro e fogo. Lembremos de Vargas, onde povo de barriga cheia não ladrava (têm coisas que não muda né). Por fim, lembremos quando nos últimos dias um senador defendeu o voto secreto para parlamentares chamando-o de democrático.
O Brasil protelou. Conservou-se como num reinado a divisão entre nobres e plebe. A elite brasileira preocupou-se em construir muros altos, mas o dia da cobrança chegou. A barbárie que invade as ruas e lares brasileiros é resultado de um individualismo coletivo, se é que seja possível tal definição. O fato é que, enquanto o problema era do outro, a mim ele não dizia respeito. Afinal, quem trabalhou, estudou, se esforçou, chegou lá. Mentira!
A muito nesse país, alguém, que entrou como empregado de uma empresa saiu patrão. Se é que existiram, foram poucos e agora são quase nenhum. Ora, cadê o capital para formar um empreendedor? Quantas boas idéias esbarram na burocracia de conseguir um capital inicial? Quantos gênios deixaram de ser descobertos nas escolas públicas brasileiras, por não haver se quer professores de física ou matemática para eles?
O problema, que era do outro, agora bate à porta de todos, e não há muro que o contenha. Não adianta subir o vidro do carro, ligar o ar-condicionado, câmeras, circuitos internos, e tirando a violência não adianta ainda plano de saúde, não adianta estudar fora do país, nada mais adianta. O limite chegou. Está difícil pra todo mundo! Mas, tem quem ache que o jeito é fugir dessa realidade consumindo o ópio brasileiro tipo exportação (a telenovela). A gente precisa relaxar né!
Não dá mais tempo de descansar, a situação em que se encontra o Brasil deve ser discutida no ambiente coletivo, pra ontem. Crianças nascem aos montes todos os dias, quem proverá o futuro delas? Está provado que o país não precisa de um mártir, pois, o salvador da pátria não existe. Somente, quando os interesses de todos estiverem em jogo, somente, quando um perceber que seu bem estar depende diretamente do bem estar do outro, os brasileiros se levantarão em marcha. Acreditemos, que esse dia chegará.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

BAIRRO DA PAZ: O ESTIGMA DA VIOLÊNCIA

Peço licença para usar esse espaço de forma não jornalística. Não poderia ser de outra forma, pois, falo de algo que a mim incomoda pessoalmente. Em primeiro lugar, por ter morado no Bairro da Paz por nove anos, e segundo porque freqüento o local para ficar com minha família e sei como vivem as pessoas daquele lugar.
Uma chacina ocorreu no bairro na madrugada desta terça-feira, 18/09, cinco rapazes foram mortos com requintes de crueldade. Apenas dois foram identificados, tinham 20 e 25 anos. Ouvi de uma jovem a resposta a meu pesar: “mas eram traficantes”. Penso que poderia ser eu você ou seus filhos e lembro-me que, mesmo tendo sido encontrados com drogas e supostamente estarem envolvidos com entorpecentes, eles não nasceram traficantes. Será que, de fato, deixaremos grupos de extermínio matar jovens, que rejeitados pelo Estado, família e escola encontraram no tráfico o caminho mais próximo para si darem bem? Que lei é essa, que se estabelece na cidade? É assim que serão resolvidos os problemas crônicos de nossa sociedade capitalista de hábitos individualizados? Eliminar elementos que possam incomodar o sossego das elites, quando ela própria alimenta essa rede de crime consumindo? Reafirmo a máxima de que a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco.
O Bairro da Paz é um reflexo da falta de compromisso das autoridades com as necessidades básicas da população como saúde, emprego e, sobretudo, educação. Reconheço esses rapazes como jovens abandonados pela sociedade, negros de periferia sem acesso a educação, lazer, esporte ou arte. Um deles foi fichado por roubar um desodorante – vejam que é tão pouco que o roubo em si não se explica. Caso repensássemos a situação do país faríamos uma comparação com quanto já foi desviado, roubado mesmo, da merenda escolar de suas escolas quando crianças.
Se seus destinos são tristes, mais triste ainda são os infames trocadilhos que alguns veículos de comunicação fazem entre a violência e a paz, palavra que compões o nome do bairro. Uma imprensa sem compromisso social, irresponsável, que não imagina como responde o mercado de trabalho quando esse mesmo jovem entrega um currículo, contendo seu endereço, para concorrer a uma vaga. A infame sede de vender jornal leva a exibição de corpos ensangüentados como num matadouro de animais. Na capa do A Tarde era preciso desviar os olhos se não quisesse passar o dia com aquela imagem na cabeça. Pergunto-me: o que querem? Que nos acostumemos a ver corpos estirados pelas ruas como a coisa mais comum do mundo?
As mortes desses rapazes foram à segunda chacina no bairro, em um período de um mês. Após a primeira, a polícia invadiu as ruas em camburões, que assustavam pelo tamanho. As armas eram tantas que não cabiam dentro dos carros e escapavam às janelas, o clima de terror afetava as crianças. Os meninos lá de casa estavam no fim de linha quando viram passar homens encapuzados dentro de um carro, sentiram a hora de voltar pra casa. No dia seguinte a notícia chocou os colegas de baba, entre eles meu irmão. Eles diziam desconhecer envolvimento dos colegas com drogas, se soubessem também não falariam. Pra que falar? Para que colaborar com uma polícia que prejulga preto e pobre como suspeito número 1. E depois quem irá nos proteger?
O Bairro da Paz tem gente séria, que trabalha e se esforça para viver dignamente, apesar de não contar com a colaboração do poder público. O lugar é estigmatizado pela violência, mas possui dados que a imprensa sensacionalista faz questão de não informar. O bairro possui sete cooperativas e espera que mais duas sejam montadas em breve. Os grupos culturais são mais de dez e já se apresentarão até fora do país. A comunidade é reconhecida como uma das mais atuantes politicamente na cidade, com um conselho de moradores sério e organizado. Os jovens residentes no local que alcançam a universidade têm ótimos resultados e influenciam outros, que já se agitam a tentar. E a sociedade baiana o que faz?

sábado, 21 de julho de 2007

CULTO AO ESTRANGEIRISMO

Celebridades instantâneas, bandas que nascem e no dia seguinte vendem milhões de discos, artistas parasitas que vivem a sombra de outros mais famosos. Afinal, quais critérios determinam a validade artística e cultural no Brasil?
É comum fazer uso do termo “cultura” quando se discute grau de instrução ou (pasmem) conhecimentos acadêmicos. O conceito de cultura é empregado de forma errônea e quase sempre tendenciosa. Por que Fulano de Tal, lá dos Cafundós do Brejo, teria cultura? Ou melhor, para que teria? A cultura, entendida por poucos, pode ser encontrada em um conjunto de costumes comum a um povo. Assim, seria possível afirmar que os brasileiros desconsideram sua cultura. Esse é um país de costumes ricos e extremamente particulares, construtores de uma identidade própria. A unidade desse povo, então, é desqualificada quando os costumes de Fulano de Tal, brasileiro, dos Cafundós do Brejo, não são levados em conta. A percepção artística nesse processo fica gravemente prejudicada, visto que não possuir cultura impossiblitará a produção de arte. O descrédito leva a uma supervalorização da cultura do outro, a exemplo do movimento hip hop que toma as grandes cidades brasileiras onde não há uma unidade.
Outro aspecto digno de análise é o fato de artistas de olhos azuis com aparência germânica terem maior êxito no mercado brasileiro. Quem não tem, logo consegue uma lente de contato e, aí sim, pode produzir arte. Parece brincadeira, mas acontece, e é mais comum do que as pessoas possam perceber. Dessa forma, a arte se torna algo distante, pertencente a uma pequena parcela onde se encontram também os letrados. Esses costumam viajar pelo mundo e voltam contaminados da tal cultura, supostamente superior, daí o valor dado a quem já pôs os pés fora do país.
O Fulano de Tal produz peças de cerâmica e as pinta. Ele faz colares de sementes e conta estórias com um incrível poder de construir o lúdico. Espera aí, isso é arte, sim, arte popular genuinamente brasileira. No entanto, todos os parentes e amigos do Fulano podem produzir essa arte, o que significa que sua produção terá pouco valor econômico. Acontece assim com Samba de Roda, esquecido pelos meios de comunicação de massa, supostamente responsáveis por exibir a cultura. Para os brasileiros basta bater palmas e tá pronto, é um samba. Agora basta a roda, ta bonito, é um samba de roda. Pode gostar, é lindo de ver e ouvir. Só que “não vende”. E se “não vende” não serve para ser exibido, portanto, será desconhecido, logo, morrerá.
É assim que funcionam os valores artísticos e culturais de uma sociedade capitalista, onde os produtores de informação visam tão somente o lucro. A superficialidade e o sucesso instantâneo, de curta duração, é a prioridade. Os artistas devem ser deuses reclusos em seu Olimpo, distantes da massa incapaz. Para a elite que domina a política e a mídia brasileira é imprescindível reafirmar a idéia de incapacidade da população. Assim, fica fácil tomá-la como refém, chantageado-a dia após dia, a fim de fazer o que lhe interessa.

domingo, 17 de junho de 2007

O SABOR AMARGO QUE FICA...

Manhã de domingo, uma chuva fina caía sobre Salvador. Como de costume, as pessoas tiraram o casaco do armário para se proteger. Na Avenida Paralela, nas imediações da comunidade do Bairro da Paz, algumas pessoas esperavam em um ponto de ônibus quando a viatura da Polícia Militar, que vinha em alta velocidade estacionou bruscamente. Assustadas, duas crianças se aproximaram da mãe ao ver um policial, com arma em punho, descer do carro. Suas primeiras palavras seriam cruciais para o desenrolar da situação. “Encosta aí negão, encosta aí! Você também. Vamo!”, disse o policial com vocabulário vulgar.
Enquanto seu colega permaneceu ao volante, o policial pediu que uma moça se afastasse e revistou os dois rapazes. A abordagem violenta logo se mostrou desnecessária e os garotos foram liberados. Ao caminhar para o carro, a autoridade notou o olhar assustado das pessoas e resolveu se explicar. Enquanto falava, a tal moça que aparentava vinte e poucos anos, protegida por um guarda-chuva, ia a seu encontro. Com a voz trêmula, o policial repetia: “Houve um assalto ali pra cima e os suspeitos tinham as mesmas características de vocês”. Ele continuava a falar como se estive a pedir desculpas pela abordagem grosseira. Nesse momento, a moça chegou bem perto e lhe interpelou. “O senhor precisava chamá-lo de negão?” perguntou. O diálogo seguiu-se em tom pouco amistoso.
- Eu chamei você de negão, rapaz? Pergunta o policial ao jovem negro.
O rapaz sussurra algo abaixando a cabeça, fazendo-se de desentendido, quando a moça completa. - Chamou sim. Ela tinha uma voz firme e parecia estar calma, o que deixou, ainda, mais intimidado o policial.
- Se chamei me desculpe, não é do meu feitio. Mais uma vez ela o interrompe e pergunta:
- Qual é o seu nome por gentileza? O militar mostrava-se completamente desconcertado nesse momento. Seu rosto apresentava apreensão por saber do erro que cometeu, e imediatamente concluiu:
- Sargento Cunha. Meu nome é Sargento Cunha. Mas, eu não tinha a intenção de ofender. Não é do meu feitio – repetiu, acuado pelas perguntas.
A moça percebeu que os olhares de reprovação lançados sobre o homem já haviam lhe feito refletir sobre a conduta preconceituosa e afastando-se, disse:
- Tudo bem Sargento. Pode ir. Bom trabalho. Ela disse, como se tudo que fosse dito ali não mudaria o fato. Resmungando, o policial seguiu na viatura. Dessa vez, em menor velocidade. O curioso é que ele mesmo era negro.
No ponto, o rapaz revelou que estava indo prestar concurso público. As pessoas pareciam revoltadas com o acontecido. Homens, pagos para proteger o cidadão, impedir o crime, desconheciam a lei, ou pior, aparentavam achá-la desnecessária. Numa conversa, elas chegam à conclusão de que a situação poderia ser bem diferente se não morassem ali, na periferia da cidade, se não fossem negros, se não precisassem esperar por um ônibus. Talvez, se não fossem brasileiros.
O racismo é um câncer que corrói a mente, cega os olhos, e faz o homem esquecer o óbvio: somos iguais do nascer ao morrer, o que nos faz diferentes são as oportunidades.

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar."
(Nelson Mandela)
Texto sobre o racismo na Polícia Militar da Bahia

quarta-feira, 18 de abril de 2007

DE ZUMBI A OXÓSSI Crianças aprendem história e cultura afro em sala de aula

- Hoje, quando eu estava vindo pra escola, vi uma macumba.
- Não. Você viu uma oferenda!
Esse diálogo presenciado pela professora fazia parte de uma conversa informal entre dois de seus alunos. Ana Helena dá aulas ao pré II e conta orgulhosa como é comum as crianças reagirem contra desrespeitos a rituais da cultura negra. Elas estudam na Escola Municipal Malê Debalê, que fica no bairro de Itapuã e possui educação infantil, 1ª e 2ª série. A nova postura desses alunos diante da discriminação e do preconceito está sendo possível graças à implementação da lei 10.639, que traz em seu texto diversas alterações a lei 9.394, existente desde 1996. A antiga lei foi criada para incluir a temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” no currículo escolar do ensino fundamental e médio, sua principal e mais comemorada mudança foi tornar-se obrigatória.
Para os meninos e meninas do bairro, que entre 1744 e 1764 abrigou o Quilombo Buraco do Tatu, é a oportunidade de conhecer a história de luta e resistência do povo negro. E orgulhar-se e de descender da raça de heróis como Zumbi dos Palmares. “Desmistificar a idéia do negro coitadinho” é de acordo com a coordenadora da instituição, Isabel Passos, um dos objetivos do ensino, que valoriza a identidade cultural. No entanto, adequar as atividades à nova diretriz curricular não foi tarefa das mais fáceis. Isiane Aline da Silva, diretora da unidade de ensino, diz que os professores chegaram a se reunir aos sábados para fazer grupo de estudos.
A formação de educadores é orientada pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC), que montou uma pasta com cerca de 10 textos onde os professores podem obter informações sobre o tema. Outro recurso utilizado pela secretaria para a formação dos mestres foi a parceria com os blocos afros, a exemplo do Malê Debalê – a escola de mesmo nome funciona em suas dependências. Segundo o diretor de educação do Bloco e coordenador da Coordenadoria Regional de Educação (CRE) / Itapuã, Carlos Eduardo Santana, a cooperação com a SMEC tem cerca de dois anos e funciona da seguinte forma: “A Prefeitura entra com a infra-estrutura, e o Malê com os formadores”, que no caso são estudiosos que ministram palestra gratuitamente a pedido do Bloco. O último curso teve 60 inscritos. Pedagogo formado pela UNEB, Carlos Eduardo conta ainda que “quem efetivou a lei foram os blocos afros e as militâncias do movimento negro”. Ele cita que o Malê Debalê dá palestras em escolas públicas desde 1999, quando ainda não existia a obrigatoriedade, e que, portanto, o trabalho só foi ampliado.
Reação dos pais - Marlene Souza, 34, notou a abordagem da nova temática quando a escola passou uma atividade para sua filha contendo histórias da cultura afro-brasileira. A mãe, que freqüenta igrejas católicas e evangélicas, diz não ver problema na educação da filha. “Acho bom, porque ela vai aprendendo, conhecendo e respeitando a cultura dos outros”, comenta. Mas ela revela que em casa nem todos pensam assim. A tia de Emili Souza, de 5 anos, filha de Marlene, é Testemunha de Jeová e não concordou com idéia. Segundo Marlene, sua irmã acredita que estão ensinando candomblé às crianças e aconselha mudar a sobrinha de escola. Apesar disso, Emili continua estudando e se comporta como agente multiplicador, contando tudo que aprende para a família e os amigos.
Professoras da escola Malê Debalê, Flaviane Sudário, afirma ter cuidado para não incentivar o culto. Procurada por alguns pais, ela deixou claro que “não estava ensinando religião e sim cultura, em termo de conhecimento histórico, para desconstruir o preconceito que há”, concluiu. Assim, a fórmula encontrada pelos educadores para seguir as diretrizes curriculares exigidas foi unir a cultura afro-brasileira e africana ao meio ambiente, revelando a ponte existente entre os orixás e a natureza. Dessa forma, os alunos aprendem a preservar o meio ambiente conhecendo a mitologia africana, na qual Oxum, rainha das águas doces, representa a fertilidade da vida. Outra maneira foi usar a simbologia das cores que representam os orixás, verde para Oxóssi, branco para Oxalá, descreve Flaviane.
Uma mostra do aprendizado foi dada durante o Desfile da Primavera 2006, que teve a participação efetiva dos pais e da comunidade. Além desse, a peça teatral chamada “Três Reinos e uma Nação” que contou a história das três raças que construíram o Brasil, e um concurso de redação com a temática “Água e Zumbi”, completaram o ciclo de atividades produzidas a partir dos conhecimentos adquiridos. “Foi um ano em que aprendemos como adotar a lei sem ser agressivo para as crianças”, resume a diretora da instituição.
O trabalho desenvolvido por professores e alunos tem gerado bons frutos. Recentemente, a escola recebeu a visita de representantes do Ministério do Meio Ambiente de Angola e do Brasil. O coordenador de educação do bloco relata que eles vieram conhecer a forma criativa usada para ensinar Educação Ambiental às crianças. Recebidos com música e dança, puderam perceber a alegria dos alunos em demonstrar o que aprenderam.
Educação e conscientização - A escola Malê Debalê foi fundada há um ano e aguarda a construção de sua sede própria, pois ainda funciona nas dependências do bloco, inclusive o letreiro com seu nome tem causado transtornos. Por ficar na fachada principal acaba confundido o visitante de primeira viagem, que se pergunta: Aqui é a escola e onde fica o bloco? A previsão é que as obras sejam iniciadas ainda este ano, num terreno ao lado. Mas, isso não é um grande problema, afirma Carlos Eduardo, que deixa claro o compromisso da entidade com a educação. “O ensino afro é o principal meio de compor os temas carnavalescos do Malê, que consegue assim conscientizar a comunidade quanto ao seu papel social”, completa.
A relevância do aprendizado da cultura e história afro é lembrada também pela educadora baiana Vanda Machado. Doutora em educação, ela pesquisa o tema há 23 anos. Em seu texto “Intolerância religiosa: vigiando e punindo” apresentado no Seminário “Racismo, Xenofobia e Intolerância”, em Salvador no ano 2000, Vanda conclui que só através da educação os brasileiros se tornarão cidadãos conscientes de sua formação cultural e respeitadores dela. O que pode influir tanto na sua alto estima, quanto no convívio em sociedade.

FATO INUSITADO MARCOU O DOMINGO DE CARNAVAL NA AVENIDA

Domingo de Carnaval na Praça do Povo. Era dia de ver as grandes estrelas da música baiana. A chuva que caía não impediu que logo no comecinho da tarde uma multidão se aglomerasse. O comentário mais comum era anunciado aos gritos “quero ver o Chicletão passar”. Depois de blocos infantis e Afros chegou à vez dos grandes nomes da música baiana. O cacique Ninha arrastou o Tribahia acompanhado de Xexéu e Patrícia, dançando sem parar a atriz global Lucy Ramos - convidada do grupo - distribuía sorrisos e beijinhos aos foliões. Em seguida a musa do Axé, Ivete Sangalo, passou rasgando elogios à pipoca que se espremia para ver a deusa em traje de vedete dos anos 40. Com um bom humor inconfundível a cantora retribuía com música o carinho recebido dos fãs, que seguravam cartazes e acenavam das janelas de prédios. Mas, o inusitado ainda estava por vir.
Era a vez do “Chicletão passar”. De longe se ouvia Bel Marques pedir cuidado aos foliões para que não se machucassem ao seguir o trio. O perigo era que eles fossem esmagados ao passar ao lado dos praticáveis montados pela PM. Ao entrar na Praça a banda parecia contagiada pela multidão, no entanto, problemas no trio, logo tiraram o brilho da festa. Uma fumaça preta de cheiro forte se espalhou pelo ambiente. Nesse momento o cantor que se encontrava num braço mecânico – usado pra deixá-lo mais próximo do público - tentava desesperadamente retornar ao caminhão. O nervosismo tomou conta dos que assistiam a cena. Dos camarotes flashs das câmeras fotográficas demonstravam o espanto das pessoas ao presenciar esse momento raro. Depois de alguns minutos parado, o show continuou. O cantor, desconcertado, pediu desculpas e voltou a tocar e alegrar a multidão.
Após algum tempo da partida do Camaleão o Corpo de Bombeiros apareceu. Fora de hora, os soldados percebem que o problema já havia sido resolvido e recuaram. Seguiu-se a festa na Castro Alves...