domingo, 17 de junho de 2007

O SABOR AMARGO QUE FICA...

Manhã de domingo, uma chuva fina caía sobre Salvador. Como de costume, as pessoas tiraram o casaco do armário para se proteger. Na Avenida Paralela, nas imediações da comunidade do Bairro da Paz, algumas pessoas esperavam em um ponto de ônibus quando a viatura da Polícia Militar, que vinha em alta velocidade estacionou bruscamente. Assustadas, duas crianças se aproximaram da mãe ao ver um policial, com arma em punho, descer do carro. Suas primeiras palavras seriam cruciais para o desenrolar da situação. “Encosta aí negão, encosta aí! Você também. Vamo!”, disse o policial com vocabulário vulgar.
Enquanto seu colega permaneceu ao volante, o policial pediu que uma moça se afastasse e revistou os dois rapazes. A abordagem violenta logo se mostrou desnecessária e os garotos foram liberados. Ao caminhar para o carro, a autoridade notou o olhar assustado das pessoas e resolveu se explicar. Enquanto falava, a tal moça que aparentava vinte e poucos anos, protegida por um guarda-chuva, ia a seu encontro. Com a voz trêmula, o policial repetia: “Houve um assalto ali pra cima e os suspeitos tinham as mesmas características de vocês”. Ele continuava a falar como se estive a pedir desculpas pela abordagem grosseira. Nesse momento, a moça chegou bem perto e lhe interpelou. “O senhor precisava chamá-lo de negão?” perguntou. O diálogo seguiu-se em tom pouco amistoso.
- Eu chamei você de negão, rapaz? Pergunta o policial ao jovem negro.
O rapaz sussurra algo abaixando a cabeça, fazendo-se de desentendido, quando a moça completa. - Chamou sim. Ela tinha uma voz firme e parecia estar calma, o que deixou, ainda, mais intimidado o policial.
- Se chamei me desculpe, não é do meu feitio. Mais uma vez ela o interrompe e pergunta:
- Qual é o seu nome por gentileza? O militar mostrava-se completamente desconcertado nesse momento. Seu rosto apresentava apreensão por saber do erro que cometeu, e imediatamente concluiu:
- Sargento Cunha. Meu nome é Sargento Cunha. Mas, eu não tinha a intenção de ofender. Não é do meu feitio – repetiu, acuado pelas perguntas.
A moça percebeu que os olhares de reprovação lançados sobre o homem já haviam lhe feito refletir sobre a conduta preconceituosa e afastando-se, disse:
- Tudo bem Sargento. Pode ir. Bom trabalho. Ela disse, como se tudo que fosse dito ali não mudaria o fato. Resmungando, o policial seguiu na viatura. Dessa vez, em menor velocidade. O curioso é que ele mesmo era negro.
No ponto, o rapaz revelou que estava indo prestar concurso público. As pessoas pareciam revoltadas com o acontecido. Homens, pagos para proteger o cidadão, impedir o crime, desconheciam a lei, ou pior, aparentavam achá-la desnecessária. Numa conversa, elas chegam à conclusão de que a situação poderia ser bem diferente se não morassem ali, na periferia da cidade, se não fossem negros, se não precisassem esperar por um ônibus. Talvez, se não fossem brasileiros.
O racismo é um câncer que corrói a mente, cega os olhos, e faz o homem esquecer o óbvio: somos iguais do nascer ao morrer, o que nos faz diferentes são as oportunidades.

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar."
(Nelson Mandela)
Texto sobre o racismo na Polícia Militar da Bahia