quarta-feira, 19 de setembro de 2007

BAIRRO DA PAZ: O ESTIGMA DA VIOLÊNCIA

Peço licença para usar esse espaço de forma não jornalística. Não poderia ser de outra forma, pois, falo de algo que a mim incomoda pessoalmente. Em primeiro lugar, por ter morado no Bairro da Paz por nove anos, e segundo porque freqüento o local para ficar com minha família e sei como vivem as pessoas daquele lugar.
Uma chacina ocorreu no bairro na madrugada desta terça-feira, 18/09, cinco rapazes foram mortos com requintes de crueldade. Apenas dois foram identificados, tinham 20 e 25 anos. Ouvi de uma jovem a resposta a meu pesar: “mas eram traficantes”. Penso que poderia ser eu você ou seus filhos e lembro-me que, mesmo tendo sido encontrados com drogas e supostamente estarem envolvidos com entorpecentes, eles não nasceram traficantes. Será que, de fato, deixaremos grupos de extermínio matar jovens, que rejeitados pelo Estado, família e escola encontraram no tráfico o caminho mais próximo para si darem bem? Que lei é essa, que se estabelece na cidade? É assim que serão resolvidos os problemas crônicos de nossa sociedade capitalista de hábitos individualizados? Eliminar elementos que possam incomodar o sossego das elites, quando ela própria alimenta essa rede de crime consumindo? Reafirmo a máxima de que a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco.
O Bairro da Paz é um reflexo da falta de compromisso das autoridades com as necessidades básicas da população como saúde, emprego e, sobretudo, educação. Reconheço esses rapazes como jovens abandonados pela sociedade, negros de periferia sem acesso a educação, lazer, esporte ou arte. Um deles foi fichado por roubar um desodorante – vejam que é tão pouco que o roubo em si não se explica. Caso repensássemos a situação do país faríamos uma comparação com quanto já foi desviado, roubado mesmo, da merenda escolar de suas escolas quando crianças.
Se seus destinos são tristes, mais triste ainda são os infames trocadilhos que alguns veículos de comunicação fazem entre a violência e a paz, palavra que compões o nome do bairro. Uma imprensa sem compromisso social, irresponsável, que não imagina como responde o mercado de trabalho quando esse mesmo jovem entrega um currículo, contendo seu endereço, para concorrer a uma vaga. A infame sede de vender jornal leva a exibição de corpos ensangüentados como num matadouro de animais. Na capa do A Tarde era preciso desviar os olhos se não quisesse passar o dia com aquela imagem na cabeça. Pergunto-me: o que querem? Que nos acostumemos a ver corpos estirados pelas ruas como a coisa mais comum do mundo?
As mortes desses rapazes foram à segunda chacina no bairro, em um período de um mês. Após a primeira, a polícia invadiu as ruas em camburões, que assustavam pelo tamanho. As armas eram tantas que não cabiam dentro dos carros e escapavam às janelas, o clima de terror afetava as crianças. Os meninos lá de casa estavam no fim de linha quando viram passar homens encapuzados dentro de um carro, sentiram a hora de voltar pra casa. No dia seguinte a notícia chocou os colegas de baba, entre eles meu irmão. Eles diziam desconhecer envolvimento dos colegas com drogas, se soubessem também não falariam. Pra que falar? Para que colaborar com uma polícia que prejulga preto e pobre como suspeito número 1. E depois quem irá nos proteger?
O Bairro da Paz tem gente séria, que trabalha e se esforça para viver dignamente, apesar de não contar com a colaboração do poder público. O lugar é estigmatizado pela violência, mas possui dados que a imprensa sensacionalista faz questão de não informar. O bairro possui sete cooperativas e espera que mais duas sejam montadas em breve. Os grupos culturais são mais de dez e já se apresentarão até fora do país. A comunidade é reconhecida como uma das mais atuantes politicamente na cidade, com um conselho de moradores sério e organizado. Os jovens residentes no local que alcançam a universidade têm ótimos resultados e influenciam outros, que já se agitam a tentar. E a sociedade baiana o que faz?

Um comentário:

Unknown disse...

Talvez por nao conhecer você nao saiba as origens desses jovens, mas eles nao eram descasos da sociedade ou das familias, e um deles que nao foi identificado na hora por falta de documentação eu conheci e fiz parte da vida dele nos ultimos 4 anos. Ele era jovem, feliz, trabalhador (trabalhava tambem comgio), gostava de moto e de namorar e na ocasiao saiu com aqueles outros 4 para comemorar o aniversario de um deles que cresceu com ele, acabou se tornando vitima de quem deveria fazer a ordem e vitima da propria personalidade dele, pois apesar de estar brigado com o amigo nao deixou de ir confraternizar junto com ele.