domingo, 30 de setembro de 2007

QUEM TEM MEDO DO LOBO MAU

Desde 1500 quem manda em terras tupiniquins é o interesse pessoal, sem ele nada anda por aqui. Nesses 500 anos, as mudanças impostas beneficiaram dúzia e meia de brasileiros endinheirados e poderosos. Lembremos da abolição tardia, por pressão dos ingleses a espera de mercado consumidor, em plena revolução industrial. Lembremos de Canudos, Conselheiro, padre Cícero, Contestado, como a república feriu o povo brasileiro, quando imposta a ferro e fogo. Lembremos de Vargas, onde povo de barriga cheia não ladrava (têm coisas que não muda né). Por fim, lembremos quando nos últimos dias um senador defendeu o voto secreto para parlamentares chamando-o de democrático.
O Brasil protelou. Conservou-se como num reinado a divisão entre nobres e plebe. A elite brasileira preocupou-se em construir muros altos, mas o dia da cobrança chegou. A barbárie que invade as ruas e lares brasileiros é resultado de um individualismo coletivo, se é que seja possível tal definição. O fato é que, enquanto o problema era do outro, a mim ele não dizia respeito. Afinal, quem trabalhou, estudou, se esforçou, chegou lá. Mentira!
A muito nesse país, alguém, que entrou como empregado de uma empresa saiu patrão. Se é que existiram, foram poucos e agora são quase nenhum. Ora, cadê o capital para formar um empreendedor? Quantas boas idéias esbarram na burocracia de conseguir um capital inicial? Quantos gênios deixaram de ser descobertos nas escolas públicas brasileiras, por não haver se quer professores de física ou matemática para eles?
O problema, que era do outro, agora bate à porta de todos, e não há muro que o contenha. Não adianta subir o vidro do carro, ligar o ar-condicionado, câmeras, circuitos internos, e tirando a violência não adianta ainda plano de saúde, não adianta estudar fora do país, nada mais adianta. O limite chegou. Está difícil pra todo mundo! Mas, tem quem ache que o jeito é fugir dessa realidade consumindo o ópio brasileiro tipo exportação (a telenovela). A gente precisa relaxar né!
Não dá mais tempo de descansar, a situação em que se encontra o Brasil deve ser discutida no ambiente coletivo, pra ontem. Crianças nascem aos montes todos os dias, quem proverá o futuro delas? Está provado que o país não precisa de um mártir, pois, o salvador da pátria não existe. Somente, quando os interesses de todos estiverem em jogo, somente, quando um perceber que seu bem estar depende diretamente do bem estar do outro, os brasileiros se levantarão em marcha. Acreditemos, que esse dia chegará.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

BAIRRO DA PAZ: O ESTIGMA DA VIOLÊNCIA

Peço licença para usar esse espaço de forma não jornalística. Não poderia ser de outra forma, pois, falo de algo que a mim incomoda pessoalmente. Em primeiro lugar, por ter morado no Bairro da Paz por nove anos, e segundo porque freqüento o local para ficar com minha família e sei como vivem as pessoas daquele lugar.
Uma chacina ocorreu no bairro na madrugada desta terça-feira, 18/09, cinco rapazes foram mortos com requintes de crueldade. Apenas dois foram identificados, tinham 20 e 25 anos. Ouvi de uma jovem a resposta a meu pesar: “mas eram traficantes”. Penso que poderia ser eu você ou seus filhos e lembro-me que, mesmo tendo sido encontrados com drogas e supostamente estarem envolvidos com entorpecentes, eles não nasceram traficantes. Será que, de fato, deixaremos grupos de extermínio matar jovens, que rejeitados pelo Estado, família e escola encontraram no tráfico o caminho mais próximo para si darem bem? Que lei é essa, que se estabelece na cidade? É assim que serão resolvidos os problemas crônicos de nossa sociedade capitalista de hábitos individualizados? Eliminar elementos que possam incomodar o sossego das elites, quando ela própria alimenta essa rede de crime consumindo? Reafirmo a máxima de que a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco.
O Bairro da Paz é um reflexo da falta de compromisso das autoridades com as necessidades básicas da população como saúde, emprego e, sobretudo, educação. Reconheço esses rapazes como jovens abandonados pela sociedade, negros de periferia sem acesso a educação, lazer, esporte ou arte. Um deles foi fichado por roubar um desodorante – vejam que é tão pouco que o roubo em si não se explica. Caso repensássemos a situação do país faríamos uma comparação com quanto já foi desviado, roubado mesmo, da merenda escolar de suas escolas quando crianças.
Se seus destinos são tristes, mais triste ainda são os infames trocadilhos que alguns veículos de comunicação fazem entre a violência e a paz, palavra que compões o nome do bairro. Uma imprensa sem compromisso social, irresponsável, que não imagina como responde o mercado de trabalho quando esse mesmo jovem entrega um currículo, contendo seu endereço, para concorrer a uma vaga. A infame sede de vender jornal leva a exibição de corpos ensangüentados como num matadouro de animais. Na capa do A Tarde era preciso desviar os olhos se não quisesse passar o dia com aquela imagem na cabeça. Pergunto-me: o que querem? Que nos acostumemos a ver corpos estirados pelas ruas como a coisa mais comum do mundo?
As mortes desses rapazes foram à segunda chacina no bairro, em um período de um mês. Após a primeira, a polícia invadiu as ruas em camburões, que assustavam pelo tamanho. As armas eram tantas que não cabiam dentro dos carros e escapavam às janelas, o clima de terror afetava as crianças. Os meninos lá de casa estavam no fim de linha quando viram passar homens encapuzados dentro de um carro, sentiram a hora de voltar pra casa. No dia seguinte a notícia chocou os colegas de baba, entre eles meu irmão. Eles diziam desconhecer envolvimento dos colegas com drogas, se soubessem também não falariam. Pra que falar? Para que colaborar com uma polícia que prejulga preto e pobre como suspeito número 1. E depois quem irá nos proteger?
O Bairro da Paz tem gente séria, que trabalha e se esforça para viver dignamente, apesar de não contar com a colaboração do poder público. O lugar é estigmatizado pela violência, mas possui dados que a imprensa sensacionalista faz questão de não informar. O bairro possui sete cooperativas e espera que mais duas sejam montadas em breve. Os grupos culturais são mais de dez e já se apresentarão até fora do país. A comunidade é reconhecida como uma das mais atuantes politicamente na cidade, com um conselho de moradores sério e organizado. Os jovens residentes no local que alcançam a universidade têm ótimos resultados e influenciam outros, que já se agitam a tentar. E a sociedade baiana o que faz?